O Poder Disciplinar em Michel Foucault


Dr. Rubem A. Mariano*
Psicólogo - CRP 08/14994
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*Doutor em Historia Política pela Universidade Estadual de Maringá e Cientista da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. 

 

Introdução

Este artigo se propõe a apresentar as ideias de Michel Foucault sobre o poder e a disciplina, especificamente o poder disciplinar. Para melhor compreensão e desenvolvimento de nosso trabalho, teremos como objeto de análise o Código Disciplinar da Igreja Metodista Wesleyana. Pretendemos, a partir de Foucault, demonstrar como o poder é exercido e estabelecido nas instituições e organizações sociais através da disciplina. Estaremos trabalhando, especificamente, com duas obras de Michel Foucault: *Vigiar e Punir* e *Microfísica do Poder.

Não temos a pretensão de esgotar o assunto; contudo, queremos ressaltar, balizados na teoria de Foucault sobre o poder e a disciplina, como a Igreja Metodista Wesleyana, enquanto instituição social, exerce o poder sobre sua membresia.

O presente trabalho tem a seguinte estrutura:  1. Compreendo os termos: Poder e Disciplina; 2. Teologia e disciplina no protestantismo brasileiro: com a palavra Prócoro Velasques Filho; 3. Breve histórico da Igreja Metodista Wesleyana; 4. Levantamento das principais doutrinas, regras gerais e membresia: modo de vida da Igreja Metodista Wesleyana; 5. Código Disciplinar da Igreja Metodista Wesleyana e 6. Algumas considerações sobre o Código Disciplinar da Igreja Metodista Wesleyana a partir de Michel Foucault.

1. Compreendo os Termos: Poder e Disciplina 

Neste primeiro momento, buscaremos compreender melhor os termos "poder" e "disciplina" por dois motivos: pela riqueza conceitual e pela importância central para o presente trabalho.

No dicionário AURÉLIO (1987: p. 954-955), há uma lista considerável de definições, nas mais diversas áreas, para expressar o termo "poder"; vejamos algumas, por exemplo: relativo a ter força, robustez, capacidade para suspender; espiritual, autoridade eclesiástica; executivo, aquele que, pela organização constitucional do Estado, exerce o poder, seja legislativo, judiciário ou executivo. Temos ainda, nas palavras de Silveira BUENO (1990: p. 512), poder como potência; autoridade; soberania; domínio; influência; eficácia; recurso; capacidade; meios. Por questão de objetividade, "poder" deve ser compreendido, neste trabalho, como domínio, influência, eficácia, capacidade e meios.

Por "disciplina", o dicionário Silveira BUENO (Idem, p. 512) nos diz: ordem, respeito, obediência às leis, matéria de estudo, instrumento de penitência. Em AURÉLIO (Ibidem, p. 416), encontramos os seguintes significados: regime de ordem imposta ou livremente consentida; regulamento; observações de preceitos e normas. O termo "disciplina" deve, portanto, pontuar controle, sustentação e direcionamento.

É importante, ainda nesta parte, considerarmos o pensamento de Aguiar e, principalmente, de Michel Foucault sobre "poder" e "disciplina". Para AGUIAR (1990: p. 49), poder "é uma relação entre homens", ou seja, um homem exerce poder sobre o outro ou sobre determinados grupos sociais ou classes sociais. Ele ainda concebe que o poder envolve deliberação, "quem exerce o poder quer que o outro aja em determinado sentido" (1990: p. 49). Sendo assim, o poder está marcado pela dimensão relacional e pela dimensão do domínio, ambas evocando a questão política.

FOUCAULT (1987) é mais questionador. Sua grande contribuição nos estudos sobre o poder está justamente em levantar questionamentos sobre como o poder se dá, se estabelece e se prolifera. Usando suas próprias palavras questionadoras: "O que é o poder, poder cuja irrupção, força, dimensão [...] seria uma questão teórica, o que eu não quero - quais são seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os diversos dispositivos de poder que exercem em níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão variados?" (p. 174).

FOUCAULT (Idem) tem como tese primeira que o poder não é algo estático e central, mas dinâmico, ramificado e capilar: "Em primeiro lugar: não se trata de analisar as formas regulamentares e legítimas do poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes. Trata-se, ao contrário, de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar; captar o poder nas suas fontes e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras de direito que organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica-se em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção material, eventualmente violento" (p. 182).

Posto isso, podemos apresentar, de forma específica, neste momento, a questão da disciplina. Como o poder se mantém, se estabelece e exerce o controle? Ele utiliza a disciplina. AGUIAR (Ibidem) faz a seguinte colocação: "o poder tem como instrumento a disciplina e com ela pode chegar a extremos peculiares de aniquilação da individualidade pela imposição de hábitos que interessam ao poder" (p. 67).

Não podemos esquecer, portanto, que o poder, em sua ânsia de inculcar hábitos e elaborar ritos, utiliza-se da disciplina que, por sua vez, se vale do prêmio e do castigo para sustentação e fortalecimento do poder. Tais elementos podem ser notados nas instituições, por exemplo: escola, quartel, igreja. Por fim, a disciplina é um veículo de obediência (Idem, p. 68).

FOUCAULT (1987) busca compreender a disciplina questionando o poder em sua mecânica, ou seja, como o poder é exercido. Ele apresenta as mais diversas faces da ação disciplinar, seja distribuindo os indivíduos no espaço, seja controlando as atividades, seja organizando as gêneses.

Sendo assim, vejamos os termos "poder" e "disciplina" não como meras definições teóricas, mas na sua mecanicidade, pois o poder é dinâmico, ramificado, capilar, relacional e concreto, homens "versus" homens ou grupos "versus" grupos. Poder e disciplina fazem parte, na visão de FOUCAULT (1987), de uma complexa rede, na qual a disciplina fortalece o poder.

 

2. Teologia e Disciplina no Protestantismo Brasileiro: Com a Palavra Prócoro Velasques Filho 

Nosso trabalho tem como pressuposto teórico de leitura as concepções de Michel Foucault sobre o exercício do poder e seu fortalecimento através da disciplina. Pretendemos, neste capítulo, abordar historicamente o nosso objeto de análise: o Código Disciplinar da Igreja Metodista Wesleyana. De uma forma mais ampla, estaremos discorrendo sobre as raízes teológicas, filosóficas e disciplinares do protestantismo brasileiro.

As ideias aqui apresentadas sobre a teologia, filosofia e a disciplina no protestantismo brasileiro são todas de autoria do Prof. Dr. Prócoro Velasques Filho (1990), em dois artigos: 1) "O nascimento do 'racismo' confessional: raízes do conservadorismo protestante e do fundamentalismo" e 2) "'Sim' a Deus e 'não' à vida: conversão e disciplina no protestantismo brasileiro". Estes artigos são encontrados no livro *Introdução ao Protestantismo no Brasil*. Não temos aqui a pretensão, mais uma vez, de sermos exaustivos. Contudo, objetivamos esboçar as principais características da teologia e da disciplina no protestantismo brasileiro.

Para tanto, dividiremos em dois momentos: o primeiro, como foi concebida e gerada a teologia dominante no protestantismo brasileiro e, no segundo momento, como se deu o comportamento (disciplina) do fiel protestante.

A teologia que predominou no protestantismo brasileiro foi marcada pela visão conservadora e pela visão fundamentalista. O conservadorismo protestante nasceu na Inglaterra e nos Estados Unidos em fins do século XIX, como resposta de fidelidade ao sentido literal dos ensinos bíblicos face ao liberalismo teológico.

Depreendemos das palavras de VELASQUES FILHO (Idem) sobre a ação conservadora contra o liberalismo teológico o seguinte: "A defesa do mito da civilização cristã ocidental, corporificada na cultura dos países protestantes dominantes, justificava a renúncia intransigente à racionalidade e às ciências" (p. 114). Diante disso, a Bíblia passou a ter sua interpretação governada por dois princípios adotados aprioristicamente como certos, que dispensavam qualquer comprovação: toda a Bíblia é divinamente inspirada e, para que sejam melhor compreendidas e interpretadas, algumas partes da Bíblia devem ser subordinadas (Idem, p. 115). A base filosófica do conservadorismo remonta ao empirismo, especificamente ao senso comum, que tem como mentor Thomas Reid. Esta filosofia dizia: "O conhecimento de uma certa verdade não depende de outros conhecimentos filosóficos ou da interposição de 'ideias': é democrático, não elitista e está ao alcance de todos" (p. 116).

A filosofia do senso comum fez escola nos Estados Unidos e foi base para a formação de elementos para uma ordem moral nacional e de uma religião global, ao fornecer os elementos para a confirmação racional e científica das verdades bíblicas. Segundo VELASQUES FILHO (Idem, p. 117), John Witherspoon sintetizou a filosofia em três afirmações: universalidade da verdade; a capacidade da linguagem de expressar o mundo real e a capacidade da memória de conhecer objetivamente o passado. Temos que ressaltar que tal filosofia é fruto do pensamento modernista que se desenvolveu em três pilares: a fundamentalidade, a centralidade e a universalidade, segundo Luciano ZAJADSZNAJDER (1996).

A Bíblia, suas informações e afirmações, são tomadas, portanto, como verdades universais, independentes de quaisquer referências ao contexto; sua linguagem não sofre interferência à intenção dos autores bíblicos e à memória. A Bíblia, portanto, é um livro de testemunho da revelação de Deus, em particular em Cristo, através dos primeiros cristãos. O fundamental é trazer à memória aquilo que está armazenado (Ibidem, p. 118). Surge, por fim, a leitura literalista da Bíblia que garante as convicções.

Do conservadorismo nasceu o fundamentalismo como esforço de fixação de doutrinas cristãs consideradas fundamentais em relação a outras. Temos a primeira menção ao termo "fundamentalista" em 1919, na Conferência Mundial dos Cristãos Fundamentalistas, que, dentre outras coisas, tinha como objetivo unir os cristãos evangélicos.

Portanto, a visão teológica que dominou o protestantismo nesta terra, e prevalece até hoje, é do conservadorismo e, consequentemente, do fundamentalismo. No que diz respeito à moral daqueles que abraçaram a fé protestante, sofre de uma ética interiorizada e individualista. O fiel recorre a uma disciplina comportamental, e sua vida é marcada por uma atitude negativa em relação à religião, cultura e moralidade católicas.

Vem para o Brasil a doutrina do destino manifesto, ou seja, "a convicção segundo a qual eles (puritanos) são portadores de uma verdade religiosa, uma cultura e uma moralidade superiores, valores que deveriam ser difundidos e adotados..." (VELASQUES FILHO, 1990: p. 214). A conversão de brasileiros deveria ser uma adesão à religião puritana, pietista e reavivalista dos novos missionários, e, para isso, era necessário mudar profundamente valores culturais e morais (Idem, p. 215). Sendo assim, por exemplo, o ritmo brasileiro é "coisa mundana", "coisa do diabo" ou profanação do templo e do espaço sagrado, o culto. Daí, os pregadores condenarem tudo que está ligado à cultura, como o futebol, o carnaval, especialmente aos domingos, e a televisão, em particular os programas não religiosos.

A doutrina que mais marcou o início do protestantismo foi a da santificação. A busca da santificação, por sua vez, tornou-se algo desvinculado da fé. A ética, nessa concepção, deixou de ser uma consequência da salvação. Ao contrário, o comportamento tornou-se moralismo e passou a ser mais importante, pois era um meio de evidenciar que a salvação estava operando na vida do crente. Daí surgiu a importância de a comunidade determinar os padrões disciplinares do que se podia ou não fazer. Nas palavras de VELASQUES FILHO (1990): "As regras disciplinares eram sempre muito rígidas e tinham uma função evidente: separar o profano do sagrado, o material do espiritual, o mal do bem, o mundo do Reino de Deus. A disciplina deveria deixar claro para todos a que grupo as pessoas pertenciam" (p. 221-222).

Dentre outros movimentos que chegaram a esta terra, destacamos o Metodismo; segundo VELASQUES FILHO (1990), caracterizado por uma disciplina férrea. Ele era defensor da família tradicional e da campanha contra a poligamia. Levantava-se contra a prostituição, o divórcio, o consumo de álcool e seu comércio. As disciplinas tomaram rumo como sendo necessárias para a vida do crente e sua manutenção na fé. Isso fez com que elas se tornassem conhecidas, gerando, por sua vez, um controle mútuo na comunidade. Ser bom cristão, nesta linha de pensamento, é adequar-se à disciplina da comunidade. Quem não realiza o que se pede é tido como um fraco e culpado. O protestantismo que veio para o Brasil se considerava detentor do verdadeiro conhecimento revelado, tanto a respeito da ética como da doutrina, e pensou ter também o monopólio do conhecimento da natureza e da finalidade da história.

3. Breve Histórico da Igreja Metodista Wesleyana 

A Igreja Metodista Wesleyana foi fundada no dia 5 de janeiro de 1967, na cidade de Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro. Ela surgiu como uma dissidência da Igreja Metodista do Brasil. Em princípio, ministros e leigos da Igreja Metodista do Brasil iniciaram suas atividades na nova igreja.

As razões da cisma se devem à doutrina do batismo do Espírito Santo, considerado como uma segunda bênção para o crente, à aceitação da obra, incluindo os dons espirituais, revelações e visões, e ao avivamento espiritual, que se dava sem liturgia e protocolos nos cultos. Os líderes deste movimento foram dois pastores: Idelmício e Waldemar; a forma de governo era centrada no Conselho Geral, seguindo, em linhas gerais, o regime metodista.

Em 1967, a Igreja Metodista Wesleyana já estava constituída. Nesse ano, foi convocado o Concílio Constituinte, que, dentre muitas resoluções, nomeou uma comissão de legislação para preparar o Manual da Igreja Metodista Wesleyana, que foi aprovado e publicado no ano de 1968. É importante ressaltar que o presente trabalho terá como objeto de pesquisa o código disciplinar do Manual aprovado na reunião de 1968.

4. Levantamento das Principais Doutrinas: Regras Gerais e Membresia: Modo de Vida da Igreja Metodista Wesleyana 

Passo a transcrever o capítulo primeiro do Manual, das doutrinas: 

Art. 1 - Doutrinas são princípios de fé e prática pelos quais se orienta a Igreja Metodista Wesleyana, conforme fundamentadas nas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos. 

Art. 2 - A Igreja Metodista Wesleyana expressa sua fé através das seguintes afirmações, que são também a base de sua pregação: 

1) Há um só Deus vivo e verdadeiro, eterno, de infinito poder e sabedoria, criador e conservador de todas as coisas visíveis e invisíveis; que na unidade de sua divindade, há três pessoas de uma só substância, de existência eterna, iguais em santidade, justiça, sabedoria, poder e dignidade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. 

2) O Filho, que é a Palavra do Pai, encarnou-se no ventre da virgem Maria, tomando a natureza humana, reunindo assim duas naturezas inteiras e perfeitas: a divina e a humana, para ser conhecido como verdadeiro Deus e verdadeiro homem que sofre, foi crucificado e sepultado, reconciliando-nos assim com o Pai, fazendo expiação pelos nossos pecados. 

3) Cristo verdadeiramente ressuscitou dentre os mortos e tomou novamente o seu corpo, com todas as coisas pertencentes à perfeição da natureza humana, e subiu ao céu, assentou-se à direita do Pai, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos. 

4) O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é da mesma substância, majestade e glória, verdadeiro e eterno Deus. 

5) A Bíblia, que é a palavra de Deus, foi escrita por homens divinamente inspirados; ela é o padrão único e infalível pelo qual a conduta humana e as opiniões devem ser julgadas. 

6) Jesus Cristo verteu seu sangue para remissão dos pecados e regeneração dos pecadores arrependidos. 

7) A justificação se realiza somente pela fé em Jesus Cristo. 

8) A santificação do salvo é uma operação realizada pelo Espírito Santo, adquirida pela fé. A santificação é obra da livre graça de Deus. 

9) O batismo com o Espírito Santo, ato da graça de Deus, é uma experiência adquirível pela fé apropriadora da parte do salvo que deseja a purificação e santidade em sua vida. 

10) A cura divina é parte integrante da obra expiatória de Cristo. 

11) O batismo bíblico é a imersão do crente em água, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não como meio exclusivo de salvação, mas como parte da mesma. 

12) A Ceia do Senhor é uma festa espiritual através da qual os salvos, pelo uso do pão comum e do vinho, lembram juntos a morte de Cristo e perpetuam o sentido de sua morte até que Ele venha. 

13) Os planos de Deus para sua obra são: os dízimos e as ofertas. O dízimo é anterior à lei mosaica, na qual foi cumprido e exigido; e permanece como princípio neotestamentário. 

14) A Igreja visível de Cristo é uma congregação de crentes batizados unidos uns aos outros na fé e na comunhão do evangelho, observando os mandamentos de Cristo, governados por suas leis, exercendo os dons concedidos pelo Espírito Santo. 

15) A segunda vinda de Cristo será de improviso, pessoal e pré-milenar. Nós amamos a sua vinda e a esperamos, dizendo: "ORA VEM SENHOR JESUS". 

16) No céu haverá galardão para os santos e bem-aventurança por toda a eternidade.

A seguir, as chamadas regras gerais concedidas pelo próprio João Wesley aos primeiros metodistas: 

1) Não proferir sem necessidade o nome do Senhor, e nem usar expressões que invoquem nomes de santos. 

2) Não prejudicar o espírito do culto no dia do Senhor, profanando-o com práticas contrárias ao louvor e à adoração. 

3) Não brigar, ofender o próximo ou levar um irmão perante autoridades para dirimir desentendimento, sem primeiro recorrer aos meios indicados na palavra de Deus. 

4) Não poderá ser membro da Igreja Metodista Wesleyana quem tenha vícios de fumar, beber bebidas alcoólicas, fabricá-las ou praticar jogos de azar; também os que praticam ou se envolvem com grupos ou sociedades de atividades secretas ou clubes incompatíveis com a vida cristã, prejudiciais a uma vida de santidade em Jesus Cristo. 

5) Não participar de divertimentos que prejudiquem ou induzam o crente a perder sua comunhão com o Senhor Jesus Cristo.

Vejamos, agora, alguns artigos do Manual sobre a admissão de membros: 

Seção I: Dos Membros da Igreja 

Art. 10 - São requisitos para admissão de membros da Igreja: 

1) Demonstrar por atos o arrependimento dos seus pecados e o desejo de viver uma vida nova, de acordo com os ensinos bíblicos. 

2) Aceitar, pela fé, nosso Senhor Jesus Cristo como único Salvador. 

3) Aceitar todas as doutrinas ensinadas e defendidas pela Igreja, de acordo com a Bíblia Sagrada, que é a infalível palavra de Deus, e tê-la como única regra de fé e prática. 

4) Ter sua situação civil regularizada pelas leis do país. 

5) Declarar submissão aos costumes e obediência à orientação ministerial pelo Manual. 

6) Ter no mínimo 12 anos de idade, ou a critério do pastor. 

7) Prometer sustentar a obra com dízimos e ofertas. 

8) Atender ao que dispõem as regras gerais: os congregados que não podem ser membros da Igreja por causa da situação civil devem ser tratados com amor, orientados e ajudados para que regularizem sua situação civil, de acordo com a lei do país, a fim de que sejam recebidos, e que durante este período não sejam impedidos de colaborar com a obra.

Art. 11 - Reconciliação - A reconciliação diz respeito a membros que tenham sido excluídos e que, arrependidos, voltam à Igreja, ou membros de outras Igrejas Evangélicas excluídos de suas igrejas, que, dando prova de arrependimento, peçam sua reconciliação na Igreja Metodista Wesleyana, sujeitando-se a um período de prova de até 90 dias.

Art. 13 - Deveres e privilégios dos membros recebidos à comunhão: 

1) Deveres: 

a) Participar assiduamente dos cultos; 

b) Contribuir com dízimos e ofertas para o sustento da obra; 

c) Submeter-se às admoestações e exortações do pastor; 

d) Desempenhar com fidelidade os cargos para os quais for eleito. 

2) Privilégios: 

a) Participar da Ceia do Senhor; 

b) Usufruir os benefícios espirituais da Igreja; 

c) Ocupação de cargos eletivos tanto no âmbito local, regional e geral; 

d) Transferir-se de uma para outra igreja ou levar transferência para outra igreja da mesma fé doutrinária e costumes; 

e) Apelar, em caso de disciplina, ao Conselho Ministerial Regional.

 

6. Algumas Considerações sobre o Código Disciplinar da Igreja Metodista Wesleyana a partir de Michel Foucault 

Neste capítulo, faremos algumas considerações a partir de Michel Foucault sobre o Código Disciplinar da Igreja Metodista Wesleyana (daqui em diante IMW). Não pretendemos ser exaustivos. Buscaremos, contudo, pontuar algumas análises que possibilitem uma melhor compreensão do exercício do poder, ou seja, como o poder se estabelece e como a disciplina entra neste "jogo" (poder). Principalmente, estaremos apresentando o pensamento de Foucault sobre como o poder se dá e como a disciplina é usada para sustentá-lo.

Portanto, nosso objetivo específico é buscar expressar como se dá o exercício do poder nessa igreja através de seu código disciplinar. Visto que o poder disciplinar é instrumento de sustentação do poder (AGUIAR, 1990: p. 67), no caso, o poder da IMW sobre seus membros.

A disciplina, como temos neste código da IMW, faz parte de uma nova visão de manutenção do poder. Longe da mentalidade da dominação dos corpos, por exemplo, do sistema escravista. Esta forma disciplinar difere por sua elegância e jogo de palavras, numa rede complexa que tem na cosmovisão, na cultura e na religião protestante sua maneira de adestrar, no caso, os membros da IMW.

Sobre o adestramento, Foucault o aponta como resultado do poder disciplinar. Vejamos a finalidade do poder disciplinar nas palavras do próprio FOUCAULT (1987):

"O poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem como função maior 'adestrar'; ou, sem dúvida, adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes [...] A disciplina 'fabrica' indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício" (p. 153).

 

Como podemos notar acima, o poder, na visão de Foucault, se mantém de forma sofisticada. Atua e está presente, sem, contudo, aparecer ou ser declaradamente visível (estático), mas é real. Como se pode observar, no início deste trabalho, o poder sempre é uma questão de relação entre um homem sobre o outro ou entre grupos. Portanto, o código disciplinar da IMW traz, em seu Art. 15, uma fórmula sutil que, marcada pela cosmovisão protestante brasileira — senso comum e doutrina do destino manifesto, especialmente — passa aos membros um sentimento natural da autoridade da igreja e, portanto, é legítimo tudo aquilo que ela prescreve. O artigo 15, em sua introdução, diz: "A aplicação da disciplina é o meio através do qual a Igreja procura manter a pureza do evangelho e o testemunho na comunidade dos fiéis." Nota-se que a disciplina é apresentada sutilmente como forma de manter o evangelho e sua pureza, bem como o testemunho de seus fiéis para a proclamação do evangelho.

Se partirmos do universo imaginário do protestantismo brasileiro, a IMW está corretíssima, pois o Evangelho não pode ser manchado. Questionar a IMW em sua ação disciplinar? Nunca! Ela está em defesa do Evangelho. Ela atua sutilmente, sem se declarar. Defende e impõe, por sua vez, seus princípios morais em nome da "infalível Palavra de Deus". No art. 10, número 3, da admissão dos membros, está escrito: "Aceitar todas as doutrinas ensinadas e defendidas pela Igreja, de acordo com a Bíblia Sagrada, que é a infalível palavra de Deus, e tê-la como única regra de fé e prática."

Podemos ponderar sobre o uso da Bíblia, considerando a visão conservadora, a infalibilidade da Bíblia e a observação das normas pela membresia. A IMW se utiliza da infalibilidade da Bíblia para ter domínio sobre o comportamento de seus membros, partindo da seguinte visão: se a Bíblia é infalível e se a IMW tira suas normas dela, logo suas normas devem ser aceitas como verdades absolutas por parte da membresia.

É importante considerarmos que, no caso do Brasil, houve um etnocentrismo na evangelização. Os missionários que aqui chegaram tinham a verdade única e total. Burlar ou ferir alguma questão do código disciplinar é, na visão comum, ir contra o próprio Jesus Cristo e Deus. Certamente, nenhum protestante deseja fazer isso. Sem dúvida, a partir dessa análise, o código disciplinar ganha força e adestra as pessoas a serem não somente obedientes, mas defensoras das normas prescritas. Pois o que há no código é a verdade; logo, todos devem seguir. Com isso, forma-se um exército de vigilantes que atua mutuamente, em que todos "naturalmente" cuidam uns dos outros. Por exemplo, os ministros que gozam de autoridade para disciplinar os membros, como consta no Art. 16, n. 11: "Quando um membro da Igreja cometer o pecado referido no item 4, será excluído ou disciplinado, a juízo do Conselho Ministerial local", são também passivos de punições. Neste mesmo código, no artigo 20, está escrito: "Os ministros, pastores e missionários com nomeação regional estão sujeitos à disciplina aplicada pelo Conselho Ministerial, mediante o relatório da comissão de sindicância nomeada pelo bispo..." Em nível prático, todos estão a serviço das normas e do poder da IMW.

Nota-se que o poder, como disse FOUCAULT (1987), "sem dúvida adestra para retirar e se apropriar ainda mais e melhor", ou seja, todos devem ser submissos. O poder, sem dúvida, realiza essa dinâmica de "retirar-se e se apropriar ainda mais e melhor". O poder torna-se senhor da situação, tanto membros como ministros o servem. Essa dinâmica é fundamental para a sustentação do poder, conforme entende Foucault.

É importante analisar como o corpo é concebido no código disciplinar da IMW; por questões óbvias: a disciplina age nos corpos. Não mais pela força, mas pelo adestramento. O código disciplinar da IMW tem como forma adestrar os corpos (confira nas regras gerais concedidas por João Wesley, números 2, 4, 5, e ainda no art. 10, números 1, 3, 5 na admissão de membros). FOUCAULT (Idem) tratou bem sobre a questão do corpo e do adestramento. Ele, ao tratar da disciplina nos corpos, diz: "A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis" (p. 127). E mais: "Em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações" (p. 126). O código da IMW é justamente isso. Busca "adestrar" seus fiéis naquilo que ela concebe como a verdade e o único modo de vida, pois não permite aos membros realizarem aquilo que ela traz como "mancha", que destrói o evangelho e a comunidade dos fiéis.

Sendo assim, tudo que consta no código disciplinar e nas regras gerais passa por verdadeiro. Fruto da filosofia do senso comum e da verdade universal no protestantismo brasileiro, o fiel metodista Wesleyano irá compreender que aquilo que consta no código é "natural", "certo" e, por sua vez, "correto". Lembra FOUCAULT (1987) que "as disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra 'natural'" (p. 189). O poder disciplinar, pensa Foucault, está no subsolo da grande mecânica do poder. Podemos constatar isso apenas pontuando que este código disciplinar, no contexto protestante brasileiro, é concebido, na sua grande maioria, como a verdade absoluta e a única forma de viver o evangelho.

Ainda é importante considerarmos, dentro da própria visão de Foucault sobre a disciplina, a questão de espaço. Especificamente, está-se falando sobre a prescrição a cada um, de acordo com seu nível. Coloquemos a questão: o código disciplinar é uma sentinela da salvação; no artigo 2, número 16, há o seguinte: "No céu haverá galardão para os santos e bem-aventurança por toda a eternidade, e haverá punição infindável para os ímpios no lago de fogo". Compreendemos, a partir de Foucault, que o poder se estabelece, no caso da IMW, graduando a cada um conforme seus procedimentos. Aqueles que observarem todos os itens são fiéis a Deus, a Jesus e, por sua vez, à IMW. Eles devem buscar observar o código como um meio de salvação, pois, se não observarem, serão excluídos da IMW; consequentemente, também do céu e, por sua vez, estarão no inferno. Aí está a rede complexa do poder que Foucault ressaltou em seus escritos.

Dentro dessa linha de pensamento, trava-se, certamente, um policiamento em que cada membro cuida do outro. FOUCAULT (Idem) observa: "O esforço de toda a comunidade para a 'salvação' torna-se um concurso coletivo e permanente dos indivíduos que se classificam uns em relação aos outros" (p. 146). Esta situação acontece não para ajudar o outro a salvar-se, mas serve de auto avaliação. O Código Disciplinar é o parâmetro. Quem o seguir vai para o céu e estará fora do inferno; contudo, quem o ferir estará fora do céu e dentro do inferno. Sendo assim, os membros da IMW se colocam uns em relação aos outros numa constante avaliação de quem tem mais condições e deve subir ou não de nível. O código disciplinar atua individualizando e selecionando a cada um, ao mesmo tempo que faz com que todos sejam legitimadores do poder da IMW. O poder institucional se afasta, apontando, no caso, para o céu e inferno e se aproxima quando cada membro realiza fielmente os deveres e observações da Igreja.

Para finalizar esta parte, é bom observarmos a forma sofisticada de punir e premiar, como lados da mesma moeda, do poder disciplinar. Ambos se encontram no pensamento de Foucault como formas de sustentação do poder. No primeiro, FOUCAULT (Idem) pondera que a punição, dentro da nova visão da disciplina, é concebida como ajuda para corrigir o infrator. Diz ele: "O essencial é procurar corrigir, reeducar, 'curar'" (p. 15). Nessa perspectiva, não seria "punir", mas "curar". No caso do código disciplinar, aqueles que cometem pecados, ou seja, transgredem as normas da IMW, são aconselhados e exortados a refletirem sobre seus erros e, se forem realmente fiéis a Cristo e à Igreja, se arrependerão e não cometerão mais infrações contra a IMW.

Ao indisciplinado, há privações (punições). Dentre outras privações, o indisciplinado não participará da Ceia do Senhor, que, em contrapartida, é um privilégio dos membros. Ela é um dos prêmios para quem se torna membro obediente às normas da Igreja. Os outros privilégios são: ser eleito a cargos, usufruir os benefícios espirituais da Igreja e, o mais excelente de todos, a salvação eterna. Premiar ou recompensar, segundo FOUCAULT (Idem), faz parte do jogo disciplinador. Ele assevera: "A disciplina recompensa unicamente pelo jogo das promoções que permitem hierarquias e lugares; pune rebaixando e degradando. O próprio sistema vale como recompensa e punição" (p. 162).

No código disciplinar da IMW, quem obedecer tem privilégios, enquanto quem transgredir os perde. Isso ocorre de forma sutil, graças ao solo fértil do protestantismo brasileiro.

Considerações Finais 

Podemos perceber, a partir de Michel Foucault, que o exercício do poder se dá de forma sofisticada, em rede. No caso específico, a autoridade da IMW utiliza a cosmovisão religiosa e cultural do povo protestante, a filosofia do senso comum e a doutrina do destino manifesto. A IMW, através de seu código disciplinar, exerce domínio e autoridade. As funções do código disciplinar são, portanto, de controle e direcionamento da vida dos membros da IMW.

Parece-nos evidente, tendo como objeto de análise o código disciplinar da IMW, que o poder acontece em rede e não de forma soberana e estática. A disciplina, como sustentadora do poder, faz de tudo para que o poder, no caso da IMW, seja comum e natural a todos os membros. Eles, por sua vez, tornam-se defensores da IMW, cuidando de suas próprias vidas e de todos aqueles que se tornam filiados à IMW. Isso pôde ser observado neste trabalho quando, por exemplo, se falou em adestramento. Este adestramento possibilita o estabelecimento do poder hegemônico. Compreendemos que a hegemonia é uma constante almejada por quem está no poder ou quem o deseja. O poder disciplinar, sem dúvida, é um instrumento indispensável para consegui-la.

* Artigo originalmente publicado na Revista Cesumar – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, v. 2 n. 3 (1998) -    

Referências 

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BUENO, Francisco da Silva. *Minidicionário da Língua Portuguesa*. São Paulo: FTD, 1990. 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. *Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa*. Rio de Janeiro: Nacional, 1987. 

FOUCAULT, Michel. *Microfísica do Poder*. Rio de Janeiro: Graal, 1987. 

__________. *Vigiar e Punir*. Petrópolis: Vozes, 1987. 

MEDONÇA, A. Gouvêa & VELASQUES FILHO, P. Filho. *Introdução ao Protestantismo Brasileiro*. São Paulo: Loyola, 1990. 

ZAJADSZNAJDER, Luciano. *Atravessia do Pós-moderno*. Rio de Janeiro: GRYPHUS, 1996. 

__________ *Manual da Igreja Metodista Wesleyana*. Rio de Janeiro: ?, 1988. 

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