(colaboradores: Helen Messias da Silva Guzmán, Robson Borges Maia2; Marta
Urgnani; Maria Luiza Dutra; Waléria Henrique dos Santos Leonel; Olavo Rodrigues
de Araújo Junior). Introdução*
Este artigo é uma
produção que atende às exigências do Grupo de Estudo denominado Alcoolismo,
Saúde e Sociedade vinculado ao Programa de Iniciação Científica – PIC do Curso
de Psicologia das Faculdades Integradas de Maringá Faimar do Centro de Ensino
Superior de Maringá-Cesumar. Este grupo tem o objetivo de estudar o fenômeno do
alcoolismo nas áreas da Saúde e da Sociedade sob o enfoque, em especial, da
Psicologia e da Sociologia.
O Grupo de Estudo
Alcoolismo, Saúde e Sociedade tem, como meta de trabalho, quatro módulos:
Módulo Primeiro (revisão bibliográfica interdisciplinar sobre o tema); Módulo
Segundo (revisão do tema no campo da bibliografia psicológica); Módulo Terceiro
(pesquisa de campo sobre como o psicólogo de Maringá compreende alcoolismo e
trata do alcoolista) e Módulo quatro (pesquisa de campo sobre como a sociedade
compreende e combate o alcoolismo).
Portanto, o presente
artigo, a partir da perspectiva do primeiro módulo, tem o objetivo de fazer uma
revisão da literatura interdisciplinar sobre o alcoolismo publicada no Brasil,
nos últimos dez anos. Para tanto, foram utilizadas algumas das literaturas
publicadas e disponíveis. Procurou-se observar as mais diversas tendências da
literatura publicada, ou seja, observaram-se às áreas da Psicologia,
Sociologia, Psiquiatria, Medicina, numa perspectiva interdisciplinar. Este
artigo traz algumas contribuições da Sociologia da Religião sobre a concepção e
o combate ao alcoolismo por igrejas pentecostais pobres. Essas pesquisas foram
realizadas pela socióloga Cecília Loreto Mariz, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Para este trabalho,
alcoolismo deve ser compreendido, num primeiro momento, como o uso abusivo do
álcool, ocasionando problemas para o bebedor, seus familiares e o meio em que
Viva. Contudo, é bom que se diga que o trato do tema é complexo, uma vez que há
dificuldades em precisar os limites entre um bebedor normal e um dependente.
Tem sido utilizada a seguinte classificação: alcoolismo agudo e alcoolismo
crônico. Para a primeira, o ponto crítico está nas conseqüências sociais. O
beber excessivo leva a acidentes de trânsito ou embriaguez ocasional gerando
mal-estar e vômito. A segunda classificação entende a utilização do álcool de
maneira abusiva, gerando dependência e conseqüências de ordem clínica,
psiquiátrica, psicológica e social.
Este trabalho foi
realizado de maneira comunitária entre os participantes do projeto. Coube a
orientação ao professor Rubem Almeida Mariano e à professora Helen Messias da
Silva Guzmán. A estrutura do artigo e de seus respectivos autores ficou assim
definida: primeiro capítulo denominado O problema do alcoolismo e suas
conseqüências, autoras: Maria Luiza Dutra e Marta Urgnani; segundo capítulo A
polêmica em torno das causas e dos tratamentos do alcoolismo: o estado atual da
questão, dos autores Robson Borges Maia, Olavo Rodrigues de Araújo Júnior e
Rubem Almeida Mariano e o terceiro e último capítulo. As principais teorias e
concepções sobre o alcoolismo, dos autores Waléria Henrique dos Santos Leonel,
Helen Messias da Silva Guzmán e Rubem Almeida Mariano.
Por fim, não poderíamos
deixar de registrar, em meio ao labor acadêmico, o nascimento da filha da
professora Helen Messias da Silva Guzmán de nome Linda, que trouxe certamente
muita alegria para toda a sua família. Nós do Programa de Iniciação Científica
Alcoolismo, Saúde e Sociedade do Curso de Psicologia parabenizamos e desejamos
felicidades ao casal e à pequena.
O Problema Do Alcoolismo
E Suas Conseqüências
O alcoolismo é um
problema de saúde pública nos âmbitos nacional e internacional. Os estudos
revelam que o alcoolismo é um fenômeno complexo mesmo sendo uma droga conhecida
da humanidade. Seus efeitos e conseqüências têm atingido o bebedor, a família e
a sociedade em números significativos e ameaçadores.
Conseqüências clínicas
Os problemas clínicos, na
avaliação inicial de pacientes em consultório, com diagnóstico de alcoolismo
são: hepáticos, neurológicos, cardiovasculares, gastrintestinais,
endocrinológicos, respiratórios, dermatológicos, geniturinários, neoplásicos.
Além das alterações metabólicas e lesões orgânicas, hiperlactacidemia, elevação
dos níveis de gorduras, inibição da síntese protéica, desestruturações no
sistema de canais, deformação e disfunção mitocondrial, diminuição do
glutação, ativação acelerada de metabólicos tóxicos e hipoxemia severa.
Entre os problemas
clínicos mais comuns que acometem o alcoolista, estão os do sistema digestivo,
com os seguintes sintomas: azia, gases, vômitos, dor abdominal, diarréia,
disfagia e hepatomegalia. No Sistema Cardiovascular, o excessivo consumo do
álcool pode estar associado à insuficiência cardíaca, hipertensão, arritmias e
morte súbita. E ainda, o álcool ingerido em excesso pode afetar o sistema
imunológico, endócrino e o fetal. Por fim, VESPUCCI & VESPUCCI (1999)
observam que:
Um exemplo de problemas
clínicos causados pelo álcool diz respeito às complicações que atingem o feto
na gestação. Apesar da extrema dificuldade em realizar pesquisas médicas sobre
o efeito do álcool no feto, está provado que o cérebro fetal não poderá ter um
desenvolvimento normal e sofrerá alterações irreversíveis se a mãe fizer uso de
bebidas alcoólicas durante a gravidez, independente da dose ingerida por ela.
Os recém-nascidos portadores de síndrome fetal alcoolina apresentam tremores,
irritabilidade, hipersensibilidade ao som, dificuldade de sucção e alimentação.
São também freqüentes a fraqueza muscular e problemas no desenvolvimento
psicomotor durante a infância. Nos anos pré-escolares são hiperativos,
distraídos e impulsivos. A debilidade mental é um dos aspectos mais acentuados
da síndrome VIDA & SAÚDE (1997).
Conseqüências
psiquiátricas e psicológicas
Os transtornos provocados
pelo alcoolismo são responsáveis pela maioria das internações psiquiátricas não
só no Brasil como nos EUA. O álcool pode causar alterações devido ao uso agudo
e crônico da bebida. As descrições dos quadros agudos: Intoxicação, abstinência,
alucinose alcoólica e dos quadros crônicos: delírio patológico de ciúmes,
encefalopatia alcoólica, distúrbio amnéstico alcoólico e demência associada ao
alcoolismo.
A intoxicação alcoólica
acontece quando a quantidade ingerida é maior que aquela que a enzima
específica pode quebrar, alterando assim o comportamento, as funções cognitivas
e motoras. Clinicamente, a intoxicação é caracterizada por comportamento
mal-adaptativo após a ingestão de álcool. Os sinais são ataxia, nistagmo, fala
pastosa ou indistinta, rubor facial, irritabilidade, atenção prejudicada e
amnésia.
A síndrome de abstinência
alcoólica, geralmente vem acompanhada de sinais e sintomas neurológicos agudos.
É considerada, muitas vezes, como o principal indicador da existência da
dependência do álcool. O quadro alucinatório ou auditivo, similar ao que ocorre
nos casos de delirium tremens, pode ocorrer dentro de 48 horas após a cessação
ou diminuição da ingestão de álcool. Porém não há alteração do nível de
consciência, sendo esta uma das principais características da alucinose
alcoólica.
Sob o ponto de vista da
evolução do distúrbio, o quadro do ciúme patológico poderia ser precipitado,
nos casos dos alcoolistas, pelo aparecimento de impotência causada pelo consumo
crônico do álcool. O paciente passaria a se sentir inseguro por não conseguir
manter relações sexuais satisfatórias com sua companheira.
Alterações de memória
(encefalopatia alcoólica) podem estar presentes e acompanhadas de outras
complicações como sinais cerebelares, cirrose e neuropatia periférica. O
déficit da memória, também conhecido como síndrome de Kosakoff se caracteriza
também pela confusão mental.
A síndrome amnéstica é o
comprometimento crônico da memória recente (prejuízo de aprendizagem de
material novo). O paciente apresenta-se confuso, sem saber onde estava; mostra
incoordenação motora. Quando o comprometimento é grave, o paciente torna-se indiferente
ao ambiente à sua volta e requer cuidado permanente. Cerca de 50% a 60% dos
alcoolistas que procuram atendimento psiquiátrico apresentam resultados em
testes cognitivos piores do que o esperado. A característica essencial desse
quadro, segundo o DSM-111-R, é uma demência que persiste por um mínimo de três
semanas após a cessação do uso prolongado de álcool. Sintomas depressivos são
comuns entre alcoolistas e alterações bioquímicas podem contribuir no
aparecimento de humor depressivo.
O abuso do álcool pode
estar mascarando sintomas de um distúrbio depressivo, uma associação comum
entre as mulheres. E ainda, diminui a autocrítica tornando mais fácil a
expressão de sentimentos de tristeza ou até liberando impulsos autodestrutivos,
como é o caso do suicídio.
Conseqüências sociais
As conseqüências sociais
do alcoolismo apontam a família, o trabalho e o meio como sendo os mais
atingidos. NÓBREGA (1996) pondera que para uma parcela de aproximadamente 10%
dessa população o seu consumo acarreta graves complicações tais como patologias,
crimes, acidentes, suicídios, destruição familiar e pessoal. E ainda VESPUCCI
& VESPUCCI (1999) observam de maneira geral, as conseqüências sociais do
alcoolismo:
Em números brasileiros, a
doença é geradora de 40% dos acidentes de trabalho; reduz 40% da produtividade
empresarial e das atividades laboriosas em geral; provoca enorme índice de
absenteísmo, expresso no fato de que a ela se deve quase metade das consultas
clínicas; é causa freqüente de invalidez precoce e de 45% das internações
clinicopsiquiátricas. Mais: o índice de suicídio entre alcoólatras é 57% maior
do que na população em geral; e, dos acidentes de trânsito, 75% têm relação
direta com a embriaguez (p.34).
MARIANO (1999) observa
também que cerca de US$ 3,3 bilhões são tirados anualmente dos cofres públicos
e privados para cobrir os prejuízos causados pelo consumo excessivo do álcool e
estima-se que os custos diretos e indiretos do consumo de álcool equivalem a
5,4% do PIB do País, enquanto que a produção e comercialização (e tributação)
de bebidas alcoólicas contribuem apenas com 2,4% do mesmo PIB. Vale dizer que o
alcoolismo desperdiça recursos equivalentes ao orçamento inteiro da Previdência
Social e maiores do que o valor total das importações brasileiras.
Segundo CHOINACKI (2000),
o governo gastou, ano passado, 57,1 milhões em 584 internações decorrentes de
transtornos mentais e comportamentais devido ao uso abusivo de álcool.
A Polêmica Em Torno Das
Causas E Dos Tratamentos Sobre O Alcoolismo: O Estado Atual Da Questão
Longe de ter a pretensão
de esgotar o assunto, este capítulo revela as diversas e destoantes concepções
sobre o alcoolismo, a partir das quais podemos afirmar que se trata de um
fenômeno complexo, que envolve o indivíduo, a família e a sociedade, e cujas
dimensões trágicas ainda se encontram subdimensionadas.
A bebida alcoólica sempre
esteve incorporada ao cotidiano da maioria dos povos e, culturalmente, é
associada à alegria e festas. Com essa atitude, a sociedade permite e estimula
o consumo de bebida alcoólica, sendo que para a maioria da população esse consumo
não gera transtornos. O tema continua cercado de tabus, preconceitos e
desinformação, a ponto de, ainda hoje, prevalecer a concepção popular e
moralista em que o alcoolista é tido como um ser humano com fraqueza de
caráter, sem vergonha, viciado, dentre outras denominações que apenas comprovam
a ignorância específica sobre o alcoolismo.
A perpetuar esse quadro,
por exemplo, nas faculdades de medicina os alunos estudam apenas os sintomas do
alcoolismo, sem se deterem à doença e se aprofundarem na complexa natureza
dela, e a escassez de pesquisas e obras didáticas específicas sobre o alcoolismo
revelam apenas como corolário desse desinteresse acadêmico. Nessa perspectiva,
EDWARDS, MARSHALL & COOK (1999) observam que seria útil em termos de
educação para a saúde se o público em geral estivesse ciente de que o álcool
tem um potencial de dependência. O público precisa conhecer melhor os perigos e
os sinais de perigo, o que a dependência pode significar para ele ou para
alguém de sua família, para alguém no trabalho ou alguém que se encontra no
bar. Contudo, independente da falta de informação sobre o alcoolismo e da
dificuldade de se detectar com precisão o que leva alguém a se tornar
alcoolista, o uso do álcool continua atingindo um número expressivo da
população brasileira.
As pesquisas
especializadas, na atualidade, têm contribuído para o entendimento do fenômeno
do alcoolismo. Em face disso, tem-se dado lugar a três teorias principais: a
orgânico-hereditária, os problemas psicológicos (personalidade) e o
sociocultural (influência do meio, cultura). Contudo, observa-se que há uma
grande complexidade em se detectarem e especificarem as reais causas que levam
uma pessoa a se tornar um alcoolista. O que se tem, na literatura, portanto,
são hipóteses que embasam as possíveis causas geradoras do alcoolismo.
(MARIANO, 1999).
Segundo MARIANO (1999) há
uma tendência nos estudos especializados em defender uma visão de interação das
múltiplas hipóteses, com o objetivo de se buscarem todos os ângulos para uma
melhor contribuição na compreensão das possíveis causas que levam uma pessoa a
se tornar alcoolista. Há, ainda, trabalhos na área da sociologia da religião,
com o propósito de se estudar a recuperação de alcoolistas nas igrejas
pentecostais pobres. Os entrevistados revelam sua concepção afirmando que o
alcoolismo se dá devido aos problemas morais de origem espiritual (MARIZ,
1994).
Portanto, observa-se uma
tendência para se compreender o fenômeno de forma mais abrangente, em que até
mesmo as mudanças verificadas nos níveis e padrões de consumo do álcool devem
ser consideradas, uma vez que não são imutáveis, e assim podem influenciar as
pesquisas científicas e as políticas sociais.
No que se refere às
terapias na atualidade, MARIANO (1999) faz um levantamento das concepções
utilizadas identificando: a) psicoterapia. Essa concepção está dividida em
tratamento grupal homogêneo ou heterogêneo e individual. O objetivo da
psicoterapia é possibilitar ao alcoolista condições de enfrentar e saber tratar
suas próprias dificuldades e emoções. b) internação em hospitais
especializados. Essa é a concepção mais tradicional, pois vê o hospital como
lugar de cura e reestabelecimento. Contudo a internação hospitalar tem sentido
apenas quando possibilita a recomposição diante de um quadro de intoxicação
crônica e c) a utilização de drogas antiálcool. Essa concepção compreende a
utilização de medicamentos possibilitando a paralisação do consumo de álcool,
pois se acredita que o problema seja químico-orgânico.
Observa-se ainda que há
procedimentos terapêuticos, na atualidade, que têm o enfoque religioso.
Clínicas ou centros de recuperações dirigidos por igrejas institucionais, como
católica e protestante. Um bom exemplo são os grupos de auto-ajuda. Eles utilizam
princípios religiosos da fé cristã à luz de fundamentos biopsicossociais. MARIZ
(1994) em um trabalho sobre o discurso de pentecostais que se recuperaram do
alcoolismo, observou-se que a igreja de crente é um instrumento eficiente e que
oferece apoio aos familiares através de orações e testemunhos evidenciando a
existência de um poder divino, Deus, que liberta o alcoolista dos espíritos
maléficos que o aprisionam à bebida.
Feita essa análise do
estado atual da questão, cumpre-nos apresentar as principais teorias e algumas
concepções sobre o alcoolismo, identificando as suas características
definidoras e as respectivas formas de tratamento.
As principais teorias e
concepções do alcoolismo
Ao se fazer o
levantamento da bibliografia atualizada sobre o alcoolismo, nota-se que há pelo
menos três principais teorias e algumas concepções que prevalecem. A seguir
serão observadas essas três teorias e algumas concepções elaboradas mais
recentemente que procuram dar conta de entender quais as possíveis causas ou
identificar e caracterizar o que é o alcoolismo.
Teoria da psiquiatria
organicista
A psiquiatria organicista
sustenta a seguinte hipótese: para que o alcoolismo se desenvolva é necessária
uma predisposição biológica. Para esta teoria, o alcoolista é acometido por uma
doença de características biológicas que tornaria seu organismo incompatível
com o álcool. Conforme MARIANO (1998), essa é uma teoria
psiquiátrica. Ela diz que há uma predisposição genética e bioquímica de
incompatibilidade com o álcool que gera a perda do controle, independentemente
do volume de álcool bebido. O alcoolista, portanto, é uma pessoa que tem
predisposição interna e biológica. Nessa concepção, o alcoolista é uma pessoa
doente, que não pode ingerir álcool. Ele é compreendido como um doente de
diabetes que não pode ingerir determinados alimentos como, por exemplo, o
açúcar comum. (p.43).
A teoria da psiquiatria
organicista encontra sua fundamentação nos trabalhos, dentre outros, de
JELLINEK, VAILLANT, GOODWIN apud MARIANO (1999). Segundo trabalhos de
Jellinek, foi observado que algumas pessoas não conseguiam controlar a
quantidade de bebida ingerida, perdendo o controle voluntário. Ele chamou esse
quadro de perda de controle. Nessa direção Vaillant, após estudar pessoas que
não conviveram com alcoolistas, compreendeu que os observados apresentavam uma
predisposição genética para o alcoolismo, uma ancestralidade alcoólica. Ele
denominou esse quadro de constelação genética. E ainda Goodwin, estudando
crianças adotadas logo após o nascimento, observou que filhos de pais
biológicos alcoolistas desenvolveram o alcoolismo numa freqüência maior que a
esperada. Por fim, há a possibilidade de existirem diferenças metabólicas entre
alcoolistas e não-alcoolistas, pois aqueles apresentam aumento dos níveis de
acetoaldeído no sangue.
Há ainda no campo da
genética, pesquisas que confrontam as afirmações de que o alcoolismo seja
apenas uma questão biológica, podendo também sofrer influências culturais.
Teoria da psicologia
psicodinâmica
A teoria da psicologia
psicodinâmica defende a hipótese de que o alcoolista teria defeitos estruturais
prévios na personalidade, como: fraqueza do ego, baixa auto-estima, fixação na
oralidade, insegurança, passividade e introversão; e que o álcool minimiza tais
defeitos, levando a uma harmonia interna, enquanto durar o efeito da bebida.
Segundo MARIANO (1998):
Essa teoria provém da
Psicologia. A Psicologia parte da visão de que o alcoolista é de personalidade
defeituosa previamente reconhecida, que seus conflitos emocionais são
responsáveis pela ingestão do álcool e que ele aprendeu a utilizar o álcool
para resolver seus problemas. Portanto, o alcoolista seria uma pessoa
psicologicamente doente devido a seus conflitos emocionais não resolvidos e por
ter uma personalidade propícia ou fértil para utilização do álcool. Essa
concepção parte, evidentemente, da idéia de que o alcoolista vê os efeitos
euforizantes do álcool como produtores de bem-estar, segurança, coragem. Diante
disso, o alcoolista é aquele que aprendeu a recorrer ao álcool sempre que tem
de deparar-se com questões conflituosas, crendo que seus efeitos são
bons.(p.43)
O alcoolista não se
considera como tal, ou eventualmente circunscreve suas dificuldades ao problema
do alcoolismo (negação). Em geral, minimiza a quantidade de bebida ingerida
(distorção), ou atribui a responsabilidade do hábito aos transtornos que os outros
lhe acarretam (projeção) (FORTES, 1991).
Como é próprio da
metodologia psicodinâmica, o que estaria por trás do comportamento abusivo ou
da dependência alcoólica seriam processos mentais e emocionais que atuariam
como respostas inconscientes às influências ambientais (BARROCO, 1994). Outro
traço marcante dos alcoolistas e demais tipos de adictos, é a baixa tolerância
a frustrações e necessidade de satisfação imediata de seus desejos (FORTES,
1991). Na literatura especializada, encontram-se duas teorias classicamente
conhecidas.
a) A teoria da
personalidade esteia-se, dentre outros aspectos, na compreensão da
personalidade pré-alcoólica e no dinamismo intrapsíquico do alcoolista em
interação com a sociedade da qual participa. Para ALONSO–FERNÁNDEZ (1991), as
pessoas que se tornam alcoolistas apresentam traços em comum: a vivência da
solidão, a desesperança, a imposição do presente anônimo e passivo e, nos
demais aspectos da personalidade, eles se mostram radicalmente diversos. Outros
aspectos estudados recentemente são as motivações, expectativas e crenças a
respeito dos efeitos do álcool. Há evidências de que essas expectativas são
formadas em idade bastante anterior ao atual consumo de álcool, sendo bastante
influenciadas pelos hábitos alcoólicos familiares (RAMOS, 1997). Para
ALONSO–FERNÁNDEZ (1991), não se pode falar de um tipo de personalidade
especificamente pré-alcoólica, mas de uma constelação pré-alcoólica básica.
Essa argumentação sugere que o alcoolista tenha personalidade caracterizável,
identificável e que ela seja constituída de fatores ambientais da relação entre
o alcoolista e seu contexto (BUCHER, 1991).
b) Na teoria da
aprendizagem, os indivíduos que se tornaram alcoolistas teriam apreendido a
lidar com os seus problemas e com a própria vida através dos efeitos do álcool,
que passaria a ser um redutor tensional que reforça o comportamento do uso de
bebida alcoólica. Os alcoolistas costumam despender boa parte de seu tempo
remoendo questões referentes à perda de controle de ingestão alcoólica.
Associam-se a isso sentimento de culpa em relação às suas tendências de
alcoolizar-se ou aos seus impulsos agressivos. Muitas vezes o crítico mais
severo do alcoolismo é o próprio alcoolista. Mediante posturas rígidas,
perfeccionistas e controladoras, evita questionamentos mais profundos sobre si
mesmo, o que seria muito ameaçador para a frágil estruturação de sua
personalidade (FORTES, 1991).
A despeito da teoria da
psicologia psicodinâmica ter fortes argumentos não escapa às críticas. Segundo
MASUR (1991), os estudos não são conclusivos no que se refere a identificar um
tipo de personalidade própria do alcoolista e que as características psicológicas
comuns observadas entre os alcoolistas seriam resultadas do uso do álcool e não
a sua causa.
Teoria da Psicologia
sociocultural
Os aspectos
socioculturais são indissociáveis do fenômeno alcoolismo. Existem muitas
polêmicas envolvendo esse fenômeno, mas não se pode negar que os fatores
socioculturais parecem contribuir na motivação inicial do uso de bebidas
alcoólicas. Bebe-se por tradição, costumes, para ser aceito, pois vivemos numa
sociedade que estimula o uso do álcool em todos os setores, a ponto do abstêmio
situar-se fora dos padrões de normalidade. Bebe-se por várias razões, muitas
vezes ambíguas como a própria sociedade que estimula o uso do álcool e depois
nega ou marginaliza o alcoolista. (SILVEIRA FILHO, 1996). A respeito dessa
teoria, MARIANO (1998) considera:
A questão da cultura e da
sociedade como contribuidoras para a motivação do uso de bebida alcoólica. De
alguma forma, o alcoólatra seria aquele que se desenvolveria como tal, graças
às influências sociais e culturais. Por exemplo: “homem que é homem bebe”, “Vou
beber para esquecer os problemas”, “me dá uma pinga aí para afogar as minhas
mágoas”. Essas compreensões culturais aliadas aos constantes comerciais de
bebidas alcoólicas associadas ao sucesso, bem-estar pessoal e sexo veiculado
pela mídia demonstram bem a força do meio, da cultura (p.44).
Para BUCHER (1991), uma
concepção sociocultural deve contar, necessariamente, com as condições
socioeconômicas e ambientes em que vive o indivíduo, além da pressão
psicológica advinda da miséria, das más condições de habitação, da
discriminação, da ausência de oportunidades, da industrialização e da
urbanização.
Em todos os estudos
epidemiológicos, encontramos uma freqüência maior de alcoolismo entre os
homens. Tem-se formulado a seguinte hipótese do duplo padrão social: a
embriaguez é menos aceitável para a mulher, porque fere o estereótipo do
comportamento feminino, enquanto, para os homens, pode até ser considerada como
prova de masculinidade. (MASUR, 1991).
Algumas concepções de
alcoolismo
No estudo sobre o
alcoolismo, tem-se registro de concepções que não se configuram na qualidade de
teorias. Contudo são elaborações que pretendem identificar e caracterizar o
fenômeno do alcoolismo, tais como: 1) modelo fraco (vê o alcoolismo de maneira
determinista: em sendo bêbado, continuará sempre bêbado; 2) modelo seco
(entende o alcoolismo como uma falha moral, um vício); 3) modelo moral molhado
(compreende o alcoolismo como um desvio de ingestão) ―acredita que pode haver a
ingestão) da bebida moderadamente―; 4) modelo médico defende e compreende o
alcoolismo como uma doença (MARIANO,1999).
Pode-se dizer que há
também o modelo religioso. Ele compreende o alcoolismo como sendo um problema
de ordem espiritual. MARIZ (1994), em trabalhos na área sociológica da
religião, tem feito pesquisa junto a igrejas pentecostais pobres e tem
observado que o alcoolismo é um dos maiores problemas existentes. Ela observa
que a concepção doença não prevalece totalmente, mas há também um reflexo de
questões morais e espirituais. MARIZ (1994) observa que, para o pentecostal, o
alcoolismo está atrelado aos problemas de comportamento instaurados na
sociedade e a poderes mágicos e sobrenaturais que seriam a origem de todo o
mal. No que se refere especificamente à espiritualidade, a fiel pentecostal não
atribui o problema do alcoolismo de seu marido a questões hereditárias,
psiquiátricas, psicológicas e sociais. Ela atribui, por sua vez, a forças
demoníacas. São elas que dominam e destroem a vida de seu esposo. Nesse
sentido, ele não é culpado diretamente, mas sofre as conseqüências dessa força
maléfica; somente o poder de Jesus Cristo para libertá-lo desse mal e dar-lhe
uma vida feliz. Segundo MARIZ (1990) esta concepção ajuda descentralizando a
culpa que acomete familiares e alcoolista e possibilita respostas que sejam
eficazes.
Conclusão
O estudo sobre o
alcoolismo continua marcado pela polemicidade, uma vez que não se tem a
precisão e a compreensão absoluta das causas e, conseqüentemente, das terapias
de combate a esse fenômeno. Contudo, nota-se, na literatura especializada mais
recente, a tendência para a aceitação de múltiplas causas a maneira
biopsicossocial, tanto na elaboração teórica quanto terapêutica. Quem, de
maneira simples, mas precisa, decifra o estado atual da questão é MASUR (1991)
ao escrever ainda no início da década de 90:
Não faltam as tentativas
de respostas. Existem muitas. Nunca completamente satisfatórias... Às vezes
sobrevêm a tentação de ceder à pressão e fornecer soluções simples: o que causa
o alcoolismo é A e a cura do alcoolismo deve ser feita através de B. O que
ajuda a resistir a esta compreensível tentação é a constatação de que, através
de outras argumentações, A e B poderiam ser substituídos por C e D ou mesmo por
E ou F. Aliás, por todas as outras letras do alfabeto (p.8).
Contudo, observa-se o
surgimento de estudos de casos realizados na área da sociologia da religião que
apontam para as questões morais e religiosas nas igrejas pentecostais pobres. A
compreensão dualista da realidade deus/diabo e o acolhimento comunitário à
família e ao alcoolista têm-se apresentado eficazes no combate ao alcoolismo.
Observam-se, por fim,
claramente ainda lacunas referentes às causas e às terapias do alcoolismo. Há,
sem dúvida, a necessidade de estudos que possam contribuir para uma melhor
apreensão do fenômeno.
* Este texto foi publicado originalmente no ano de 2000.
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